Quanto custa a entrega do meu hambúrguer às pessoas e à economia a longo prazo?

Quanto custa a entrega do meu hambúrguer às pessoas e à economia a longo prazo?

Fui à hamburgueria ao pé de casa buscar um naco de carne picada, com ovo e queijo e tudo o que mais haja no menu para comer enquanto vejo a minha série televisiva. Indulgências da vida moderna, luxos proteicos de origem animal que equilibro com as bowls veggie e os açaís, servidos em taças e caixas amigas do ambiente. O mundo da Food & Beverage está a ficar mais sustentável e diversificado, na forma e no conteúdo; até já consigo encontrar bom pão sem glúten, e low carb, feito em padaria. O mercado melhora de dia para dia para os esquisitos como eu, que já somos o “novo normal”, graças a empresas criadas para responder a novas necessidades. As mais audazes conseguem mesmo criar necessidades, lançando tendências que seguimos com gosto.

E como estamos a inovar no “mercado” das pessoas - na gestão de pessoas, digo -, talvez  o mais importante e desafiante para as empresas em qualquer setor de atividade?

A forma como as pessoas são tratadas está a ser muito discutida no mundo das startups, o mesmo que nos trouxe já tanta inovação e negócios que mudaram para sempre a forma como vivemos, passeamos e amamos; basta ver a revolução na mobilidade feita pela Uber, no alojamento pelo Booking e pela Airbnb (disclaimer: uma das minhas startups favoritas de sempre, por vários motivos que ficam para outro texto), ou no dating pelo Tinder, sem esquecermos as redes sociais (das startups mais proeminentes e usadas!).

À cena tech empreendedora que é uma das principais forças motrizes da economia mundial, com impacto visível na vida de cada um, é normal que se peçam contas do impacto que está a ter na sociedade. Aos mais inovadores é normal que se exija mais. Parece injusto, raios!, com tantas big corporate a fazer disparates porque raio implicar com as startups que começam com um sonho e tanto têm de lutar para sobreviver? Precisamente por isso, por serem inovadoras, e porque quando dão certo dão mesmo certo, tornam-se gigantes, com responsabilidade acumuladas, sobretudo quando insufladas pela tecnologia que permite escalar de uma forma quase comovente (para mim, pelo menos).

Enquanto espero por aquele formato redondo vencedor, na hamburgaria,, vejo que ao meu lado estão apenas e só muitos rapazes das plataformas de entrega de comida em casa, plataformas que já usei várias vezes e que já me resolveram vários problemas (de primeiro mundo, onde felizmente vivo); afinal isso é aquilo que se pede a um serviço, que nos resolva um problema, que melhore a nossa vida. No caso, ajudam também a resolver os problemas da restauração, canalizando mais receitas, sobretudo numa altura em que o setor enfrenta uma crise.

Tenho pensado muito nessas pessoas que me resolvem problemas, nestas pessoas que estão no meio, entre nós e os fornecedores, que trazem e levam, que nos facilitam a vida, que são o rosto e o corpo da tecnologia. É que eu não sei se estamos a resolver os problemas delas. No imediato claro que sim, têm uma fonte de rendimento, que em muitos casos será um complemento ou algo temporário. E a longo prazo, o que estaremos todos nós a perpetuar?

Este texto não é de todo um ataque a este tipo de empresas, é um desabafo nascido da minha experiência de proximidade com estes prestadores de serviços e que agora aproveito para estender a todo um universo de inovação. Tenho o sonho que todas as startups (um mundo que eu tanto amo e glorifico) sejam um exemplo para a sociedade, por causa da tecnologia e dos maravilhosos produtos e serviços que criam, e também por criarem empregos justamente recompensados. Há bons exemplos disso no ecossistema empreendedor, startups que foram pioneiras na introdução de verdadeiras medidas de equilíbrio vida pessoal/profissional, semanas de quatro dias, recompensas com lucros da empresa, teletrabalho opcional, etc. E para o pessoal qualificado com competências tecnológicas e digitais, por exemplo, os ordenados são muito superiores à média.

Há contudo um lado negro, de carne para canhão, para servir e ser o middle man, dos atendedores de call centers aos motoristas e aos estafetas que carregam a nossa comodidade.

Há muitos mais aspectos a focar quando falamos da medição do impacto das empresas na sociedade e no ambiente. Já nenhuma empresa que se preze pode prescindir de considerar na sua estratégia, e na avaliação de desempenho, o impacto que tem no mundo.
Mas eu hoje não quero falar de emissões de carbono, nem de plásticos, nem de consumo de água. Eu hoje só quero falar das pessoas que trabalham nas empresas, no impacto que os seus empregadores têm nas suas vidas, na sua saúde mental e física, na sua família, na sua felicidade. Eu hoje só quero fazer-nos pensar no valor do trabalho, e sobretudo se vale a pena a existência de empresas cujo sucesso só alcançam se for à custa de salários baixos e miseráveis condições de trabalho. Eu hoje quero dizer que como consumidores, como investidores, como gestores de incubadoras e aceleradoras, como responsáveis políticos, como empreendedores, temos o dever de pensar em que negócios vale a pena investir e promover. Chamemos-lhe empreendedorismo consciente.


Photo by Victor He on Unsplash

Ana Santiago
Consultoria & Direção Estratégica

Comunicação para startups: reagir em momentos de crise

Comunicação para startups: reagir em momentos de crise

Social Media também é PR <digital>

Social Media também é PR <digital>